quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A MADRE SÁ E O COLÉGIO DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS DA PÓVOA DE VARZIM

Um milagre?

O edifício da Escola Secundária de Eça de Queirós foi construído pelo Estado Novo nos anos Cinquenta e ainda assim não ficou como o vemos hoje; o da Escola Secundária de Rocha Peixoto é mais recente. Mas o do Colégio do Sagrado Coração de Jesus é bem mais antigo. Foi construído entre 1927 e 1930. Quem meteu ombros à obra da sua construção foi a Madre Sá; dela me proponho falar aqui.

Eram anos muito difíceis aqueles. O regime saído da Primeira República caíra em 28 de Maio de 1926 e deixava o país arruinado e desorientado.

Mas respirava-se agora uma liberdade religiosa que há muito se não conhecia. Depois das expulsões republicanas, já haviam regressado para a Póvoa de Varzim as Doroteias e os Jesuítas e procuravam reaver o lugar de que tinham sido esbulhados. E é neste contexto que nasce o novo edifício do Colégio.
Parece-me que a sua construção resulta de um verdadeiro milagre. Veja-se o que escreveu o P.e António Freire, S.J., meu antigo e ilustre professor:

"Tendo (a Madre Sá) lido numa revista francesa que um sacerdote conseguira ordenar-se graças à intercessão de Santa Teresinha de Lisieux, que fizera reverter em favor dele um legado, a Madre Sá lembrou-se de entregar a obra a Santa Teresinha. Se conse­guisse o dinheiro necessário, a sua estátua seria colocada à entrada e em todos os lugares importantes da casa. Para isto, pediu o consentimento da Madre Provincial que lho concedeu de bom grado".

E continua o mesmo jesuíta, que conheceu bem a Madre Sá, pois muitas vezes veio dar apoio religioso ao Colégio e à comunidade doroteia:

"A estátua, colocada na capela, veio de Lisieux, oferecida pela Celina, irmã de Santa Teresinha. A Madre Sá correspon­dia-se frequentemente com ela.
A protecção da Santa de Lisieux não se fez esperar. Esmolas, empréstimos de quantias em condições muito vantajosas — sem juros ou com juros muito baixos — e mais esmolas ainda, iam afluindo. Até os pobres pescadores, ao voltar do mar da sua faina diária, vinham entregar às Irmãs uma pequena moeda «para uma pedrinha». As vendedeiras, sabendo que eram para o colégio as hortaliças que vendiam, exclamavam:
– Ah, é para as Irmãs? Então fica por menos uns tostões. O que eu devia ganhar é para uma pedrinha para o colégio novo!
Até os operários que trabalhavam na construção do edifício pediam salário menos elevado!

Assim, mercê da generosidade e sacrifício dos habitantes da vila — hoje cidade — foi possível em pouco tempo erguer o que hoje se chama «Colégio do S. Coração de Jesus». Três anos (1927-1930) bastaram para ver levantado este edifício vasto, bem situado, de construção um tanto irregular, que pôde durante tantos anos abrigar numeroso internato de alunas e ainda mais numeroso externato. Provido de amplas salas, em que o ar e a luz entram copiosamente, foi ampliado em 1936: tendo sido introduzido no programa de estudos o ensino liceal, eram necessárias mais aulas para as diferentes classes.
No ano de 1937, inauguraram-se os laboratórios de Física e Química, cuja aparelhagem se foi de ano para ano completando e modernizando.
No ano de 1942, foram adquiridos 3 tratos de terreno, anexos ao pequeno jardim e horta, o que veio a permitir fazer um campo de jogos para as meninas e espaço para futuras construções. Depois, em 1944, fizeram-se obras de reparação e conservação da casa: foram pintadas as paredes exteriores, portas e janelas das aulas, corredores e dormitórios".

Ainda sobre a construção do Colégio, veja-se este parágrafo de A. Silva Pereira:

"É necessário frisarmos aqui o que muitas vezes nos foi confirmado e dito pela Reverenda Madre Sá, “estas pedras que aqui vê, nos disse ela, e este edifício foi única e exclusivamente construído com as esmolas e a boa-vontade dos poveiros”, e com a sua sábia administração como Mestra-Geral do Colégio, dizemos nós".

Retenha-se que a Madre Sá tinha direito a pedir, pois havia dado os seus muitos haveres para o colégio anterior. Depois, filha de família abastada, devia ter uma relação estreita com as famílias da Póvoa com mais posses.

Admiradores da Madre Sá

Eu não conheci a Madre Sá. Comecei a ver referências sobre ela há anos e interessei-me por estudar esta grande figura da Póvoa.
Li o que escreveram o saudoso P.e António Freire, o poveiro A. Silva Pereira e o Dr. Jorge Barbosa, o que vem no Dicionário de Educadores Portugueses, li o caderno da Isabel Ferreira, onde se contém o notável «Memento» da escritora Agustina Bessa-Luís – a mais famosa ex-aluna do Colégio; estudei alguma informação saída em jornais, ouvi uma ou outra doroteia e ex-alunas. A imagem que todos transmitiam dela é a de uma grande mulher ou mesmo duma santa.
Agustina chama-lhe "mulher extraordinária"; ora isto, saído da boca duma escritora que tanto valoriza a figura feminina, tem uma credibilidade singular.
Ouvi-a contar que, quando tinha doze anos, uma professora do Colégio lhe deu uma nota de 7 valores; a pequena queixou-se à mãe, dizendo que a classificação era injusta e que exigia um exame público. A mãe foi ter com a Madre Sá, fez-se o exame público, a Agustina obteve 15 valores e a professora foi despachada para outra instituição de ensino. A escritora vê no caso um indicativo de grandeza e do seu sentido de justiça daquela Madre.
Mas não se pode dispensar aqui um pouco da extraordinária evocação que dela nos deixou a Agustina no "Memento":

"Pode-se dizer que tinha o gosto da reforma e o dom da respon­sabilidade. Como Santa Teresa, exactamente. Era esse aspecto do seu carácter que me fascinava. Vê-la aparecer de repente, prever, consultar, dar ordens, rezar à sua maneira misteriosa, como se tivesse uma entrevista renhida com Deus e os Santos, era extrema­mente belo. É verdade que não podíamos entender isto com a razão de que dispúnhamos, uma razão de seis anos ou menos ainda. Eu, pessoalmente, admirava a Madre Sá por um motivo particular: por­que não era instável, apaixonada, propensa ao favor, confidencial, influenciável. Era duma têmpera sólida, amava os caminhos rectos, as empresas difíceis, a justiça sem rodeios e segundas intenções. Tinha o traço poveiro do socorro imediato, da salvação quotidiana".

Uma doroteia de Vila do Conde, que na sua juventude lidou de perto com a Madre Sá, achava-a muito penitente e impressionou-a a cama e as mantas muito pobres que a Madre usava, o que era tanto mais de admirar quando se sabe que vinha duma família muito abastada.
Vejamos então mais a eito quem era esta fundadora do Colégio das Doroteias da Póvoa de Varzim, o Colégio do Sagrado Coração de Jesus.

Imagens:
Em cima, Madre Sá; mais abaixo, edifício que hoje está ao serviço da CMPV e que foi originalmente construído e pago pela Madre Sá, para Colégio; com a República passou a quartel e mais tarde foi escola.

Os primeiros Colégios

Já antes do P.e Freire escrever a sua biografia havia alguns escritos sobre a Madre Sá, nomeadamente em jornais. Embora ele seja o melhor cicerone para nos falar desta doroteia, em quem reconhece «uma das mais lídimas glórias do Instituto de Santa Doroteia, em Portugal, e particularmente uma das mulheres que mais con­tribuíram para elevar o nível cultural da Póvoa de Varzim, donde era natural», ouçamos agora, até para variar, parte do que A. Silva Pereira escreveu no jornal Ideia Nova em 5 de Outubro de 1946:


Por volta do ano de 1880, D. Ana Ferreira de Sá, senhora culta e com meios de fortuna a quem cedo faltara o marido, notando que as suas filhas Olindina, Aurora e Júlia, após uma esmerada educação e cultura, davam mostras de ingressar no “Instituto de Santa Doroteia”, resolveu, antes que tal se consumasse, dotar a Póvoa com um estabelecimento de educação e ensino de meninas, a que deu o nome de “Colégio do Sagrado Coração de Jesus”.

É que nesta altura muito se fazia sentir na Póvoa a sua falta, pois havia uma certa relutância em aceitar de bom grado, como educadoras, as freiras que ensinavam, desde há muito, no concelho vizinho.
Por este emotivo, essa ilustre senhora fundara ela própria o “externato”, que dirigia e no qual ensinava, coadjuvada pelas suas três filhas.
E assim, na sua própria residência da Rua da Bendeira, começou funcionando esse Colégio, ao qual acorriam muitas e muitas alunas, a quem os pais pretendiam educar e instruir com cuidado.
O jornal A Independência, de 15/5/1892, referiu-se nestes termos à nova escola:

Colégio do Sagrado Coração de Jesus

"Vai instalar-se, com aquele título, na Rua da Bandeira desta vila, um colégio para meninas.
A casa destinada para esse estabelecimento é ampla, confortável e encontra-se em óptimas condições higiénicas.
A directora é uma senhora muito tratável, muito instruída e de muitas virtudes – a Exma. D. Ana do Rosário Prudência dos Santos Sá. Professoras as Exmas. Sras. D. Júlia Prudência Ferreira de Sá e D. Olinda Prudência Ferreira de Sá, senhoras muito prendadas e muito distintas.
Do programa, que temas à vista, extractamos o seguinte:
A par de sólida educação moral, ensinar-se-á: leitura, escrita, contabilidade, sistema métrico, português, francês, geografia e história sagrada e profana; meia, crochet, bordados a branco, matiz, ouro, escumilha, lãs e escama, em vidro, etc.; flores de pano, de cera e de papel de arroz; etc.; desenho e piano.
São admitidas alunas de cinco a doze anos, devendo apresentar certidão de baptismo e de facultativo, esta para ver que não padece de moléstia contagiosa. (…)
Exige-se que cada menina tenha na aula uma cadeira, um bastidor, uma caixa de costura e utensílios necessários para o trabalho e estudo. Os livros serão os adoptados no colégio.
Serão feriados – todo o mês de Setembro, todas as quintas-feiras, nove dias no Natal e seis na Páscoa.
Desejamos muita prosperidade ao novo colégio".

Começou de tal modo a aumentar, dentro em pouco, a frequência do colégio que D. Ana de Sá se viu na necessidade de conseguir nova casa, mais ampla, na qual instalasse, além do externato, um internato também.
Foi nessa altura, então, que suas filhas Olindina, Aurora e Júlia resolveram em definitivo professar, e entregar a direcção do colégio, instalado já num edifício da Rua hoje Almirante Reis (agora ocupada pela “Poveirinha”) às freiras do "Instituto de Santa Doroteia".
D. Ana de Sá retirou-se, acompanhada duma criada, para uma pequena casa da Rua da Igreja, onde veio a falecer. Das suas três filhas, apenas D. Júlia, já então freira, lhe assistiu aos últimos momentos, pois as outras duas, por se encontrarem longe, não puderam comparecer".

Continuemos a ouvir A. Silva Pereira que nos vai contar como nasceu e foi confiscado pela República o primeiro Colégio instalado em edifício próprio:

"Nas suas últimas disposições de ordem material e espiritual, recomendou insistentemente D. Ana de Sá a sua filha que adquirisse, com os meios de fortuna que lhe deixava, um edifício condigno para que nele se instalasse o “Colégio do Sagrado Coração de Jesus” que fundara e já então com grande frequência de alunas internas e externas.
Cumprindo à risca os desejos da sua mãe, comprou D. Júlia Sá um grupo de oito casas situadas na Rua de Rocha Peixoto, que depois de grandes e dispendiosas obras vieram a constituir o primeiro edifício próprio do “Colégio do Sagrado Coração de Jesus” na Póvoa.
Decorreram os anos e D. Júlia Sá, já madre em religião, estagiou por várias casas do seu Instituto, espalhadas pelo país, regressando à sua terra a partir de Outubro de 1910, para, como simples cidadã portuguesa, reclamar junto dos tribunais a arbitrária confiscação, feita pelo governo, da sua casa da Rua de Rocha Peixoto onde estivera instalado o “Colégio do Sagrado Coração de Jesus” e que fora destinada a quartel".


O exílio e o regresso

Voltemos ao P.e António Freire:

"A Madre Sá, como as demais Irmãs, acabaria por ir para o estrangeiro: primeiro para a Bélgica; depois, com o rebentar da primeira guerra mundial, foi para a Inglaterra com as outras Irmãs e com o Noviciado; dali, logo que puderam, traslada­ram-se para a Suíça, onde fundaram um colégio frequentado por alunas portuguesas. Era Superiora a Rev. Madre Monfalim e Mestra-Geral a Madre Sá. Ali ficou até 1921.
Nesse ano, como algumas Irmãs precisassem de banhos de mar, resolveu a Rev. Madre Provincial que fossem para a Póvoa de Varzim e lá alugassem uma casa e dessem lições, para se poderem sustentar.

A Madre Sá esteve pouco mais ou menos oito anos na Suíça. Lá aprendeu os métodos de educação moderna e começou a pô-los em prática. Afável, mas intransigente, ensinava as alunas a assumir o sentido da responsabilidade de si mesmas. Procurava, sobretudo, moldar-lhes o carácter e formar-lhes a personalidade. Quando as levava a passeio, não as punha em forma, como antes se costumava. Deixava-as ir à vontade, mas sempre com a necessária vigilância. Isto fazia nos passeios, nos recreios, no refeitório, etc. As alunas respeitavam-na, obedeciam-lhe com gosto, porque a amavam e reconheciam o bem que lhes queria.
O método da Madre Sá não era conhecido em Portugal. Não admira que, ao princípio, tenha causado estranheza e desagrado a alguns membros do corpo docente. Os pioneiros nem sempre são compreendidos e, por vezes, têm de sacrificar-se para que surja, mais tarde, o fruto da sua iniciativa.»
Sobre a pedagogia da Madre Sá, paga a pena ouvir algumas palavras de Agustina Bessa-Luís, que transcrevo do Dicionário de Educadores Portugueses:
"Ela foi para mim o espírito colegial aberto que estendi ao meu trabalho e ao mundo em geral. Economia, persistência, generosidade e respeito pela ordem das coisas, foi o que aprendi; assim como um certo orgulho sem pretensões pela dignidade de ser mulher de todos os tempos. A mulher feminina e prudente que a Bíblia contém em numerosos exemplos. A Madre Sá era uma pessoa corajosa no conceito moderno da adaptação a padrões de vida sem preconceitos. Instaurou o lema da mulher independente pela instrução, útil para a cultura. Contrariava o estudo decorativo e as prendas de salão, sabia quanto a sociedade se transformava e, sem quebra das altas e eternas condições do espírito, ia pedir à vontade humana novas obrigações".

Na imagem, edifício onde funcionou originalmente o Colégio, após o regresso da Madre Sá do exílio. Foi ali que Agustina Bessa-Luís o frequentou, como relata nos Dentes de Rato.

Ainda o novo Colégio

Aquelas irmãs que o P.e António Freire contou que vieram para a Póvoa a banhos acabaram por ser impedidas de regressar a Espanha, donde tinham vindo. Para ganharem o sustento, decidiram receber meninas para educar: foi o princípio da nova aventura.
Ouçamos de novo A. Silva Pereira, cuja narrativa é mais sintética que a do P.e Freire:

"É nesse ano, 1922, que surge novamente na Póvoa a Madre Sá, que, pelo seu Instituto, vem encarregada de fazer ressurgir, na sua terra, o “Colégio do Sagrado Coração de Jesus” (…) Consegue o dinamismo da Madre Sá instalar, embora provisoriamente, o Colégio num edifício da Rua da Igreja, pertencente ao Dr. Francisco de Sousa Machado, e do qual ela foi mestra-geral.
Mas, por grande que parecesse o edifício, não podia de uma maneira eficiente e condigna, albergar em si tantas e tantas alunas que, em regime de internato, procuravam o “Colégio do Sagrado Coração de Jesus”.
A actividade da Madre Sá, desde então se começou movimentando no sentido de ser construído um novo edifício para o Colégio, o que foi secundado e vivamente aplaudido por todas as pessoas e pelas próprias autoridades da terra. E em 1928, lançou a Madre Sá mãos à obra, que viu concluída em 1930".

A Voz do Crente, em 24 de Outubro de 1930, anuncia o começo do funcionamento do Colégio, o definitivo:

"Já principiou a funcionar na nova casa, sita no lugar da Moita, o Colégio do Sagrado Coração de Jesus, habilmente dirigido pelas religiosas de Santa Doroteia. É grande a sua frequência, porque as alunas recebem ali não só uma grande educação literária e artística, mas também uma sólida educação moral.
O novo edifício, colocado num dos pontos mais salubres da vila, tem amplos dormitórios, boas salas de estudo e de trabalho, magnífico recreio e uma linda capela. É uma das casas mais higiénicas da vila por estar fortemente ventilada por todos os lados e por ser fortemente banhado pelo sol desde manhã até à noite. As famílias das alunas que a visitaram pela primeira vez ficaram surpreendidas pela sua amplidão e magníficas condições higiénicas. É de esperar que aumente a sua frequência, porque casa é maior e oferece mais comodidades que a antiga, e o seu corpo docente é muito selecto e apto para ministrar às suas alunas os bons ensinamentos que a tornem excelentes senhoras e boas cristãs".



Mais adiante, a Madre Sá, foi transferida «para Coimbra e de lá para o Colégio da Imaculada Conceição de Viseu. Mas a Póvoa esperava por ela..."
Em Setembro de 1946, por ocasião das suas bodas de oiro em religião, os habitantes da Póvoa de Varzim quiseram mostrar a estima e gratidão que por ela sentiam.
Depois disso, ficou a Madre Sá a residir no seu Colégio até ao resto da vida, onde faleceu a 20 de Outubro de 1960.

As Florinhas do Mar

Quase não consegui informação sobre "As Florinhas do Mar". Ficam aqui as breves frases que encontrei sobre esta iniciativa educativa da Madre Sá e que no-la mostra verdadeiramente integrada no espírito evangélico, colocada ao lado dos menos favorecidos, enquanto o Colégio poderia sugerir apenas interesse pelos mais beneficiados da fortuna:

”'As Florinhas do Mar', essas filhas da gente pobre da nossa terra que o Colégio do Sagrado Coração de Jesus educa, alimenta e veste, é uma outra obra do seu grande coração" (A. Silva Pereira).
"Nunca recebia a simples homenagem das "Florinhas do Mar" (escolares que ela patrocinava, pertencen­tes ao mundo piscatório das Caxinas e da Póvoa inteira), sem que eu lhe notasse sinais de emoção profunda. Recordo uma jovem alta, com uma trança loira solta nas costas, e que apareceu carregada de luto, um dia. Um naufrágio ou uma doença tinha-lhe levado o pai. Era no Inverno, a jovem trazia um xaile grosso que lhe enre­dava o cabelo. A Madre Sá compôs-lhe a trança e a beira do xaile, para que a menina estivesse mais confortável; e eu vi como cho­rava, à sua maneira interior, como quem reza. Abençoava a mu­lher, sofrendo-lhe o desamparo" (Agustina Bessa-Luís).
Segundo o Mons. Manuel Amorim, a Madre Sá partilhava com o Dr. Abílio Garcia de Carvalho esse cuidado com crianças pobres.

Na Póvoa há dois monumentos ao Sagrado Coração de Jesus, o Colégio e a Basílica; ambos grandiosos e ambos frutos de muita tenacidade, suor e dor.


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Pequeno apêndice

A Madre Sá pede audiência a Afonso Costa


"Este regime (republicano) extinguiu as ordens religiosas, tendo conseguido a Madre Sá, com a sua tenacidade e perseverança de remar contra a maré, manter as Casas do Sardão e de Vila do Conde (Colégio de S. José).
A casa da Póvoa (e portanto o Colégio) foi também expropriada e nela se instalou o Liceu e, depois do final de 1914, a nossa unidade militar. Mas a Madre Sá pleiteou com o Governo reivindicando a posse das casas que pertenceram à sua família, demanda que percorreu as três instâncias tendo até chegado a pedir audiência ao Dr. Afonso Costa, então Ministro da Justiça e dos Cultos, que a recebeu com certa deferência. Vencida a questão, o Governo não restituiu as casas mas deu-lhe uma indemnização simbólica em dinheiro que a Madre Sá entregou às suas Superioras, então emigradas no estrangeiro".

Jorge Barbosa

FERREIRA, Isabel, Madre Sá, Póvoa de Varzim, 1983.
FREIRE, António, A Madre Sá, uma Glória da Póvoa de Varzim, Braga, 1982.
PEREIRA, A. Silva, «O Colégio do Sagrado Coração de Jesus e a Reverenda Madre Júlia de Sá», Ideia Nova, 5/10/1946.
NÓVOA, António (dir.), Dicionário de Educadores Portugueses, Edições ASA, 2003.


Imagem: Edifício do Colégio do Sagrado Coração de Jesus, obra devida à heróica determinação da Madre Sá.