Já antes do P.e Freire escrever a sua biografia havia alguns escritos sobre a Madre Sá, nomeadamente em jornais. Embora ele seja o melhor cicerone para nos falar desta doroteia, em quem reconhece «uma das mais lídimas glórias do Instituto de Santa Doroteia, em Portugal, e particularmente uma das mulheres que mais contribuíram para elevar o nível cultural da Póvoa de Varzim, donde era natural», ouçamos agora, até para variar, parte do que A. Silva Pereira escreveu no jornal Ideia Nova em 5 de Outubro de 1946:
Por volta do ano de 1880, D. Ana Ferreira de Sá, senhora culta e com meios de fortuna a quem cedo faltara o marido, notando que as suas filhas Olindina, Aurora e Júlia, após uma esmerada educação e cultura, davam mostras de ingressar no “Instituto de Santa Doroteia”, resolveu, antes que tal se consumasse, dotar a Póvoa com um estabelecimento de educação e ensino de meninas, a que deu o nome de “Colégio do Sagrado Coração de Jesus”.
É que nesta altura muito se fazia sentir na Póvoa a sua falta, pois havia uma certa relutância em aceitar de bom grado, como educadoras, as freiras que ensinavam, desde há muito, no concelho vizinho.
Por este emotivo, essa ilustre senhora fundara ela própria o “externato”, que dirigia e no qual ensinava, coadjuvada pelas suas três filhas.
E assim, na sua própria residência da Rua da Bendeira, começou funcionando esse Colégio, ao qual acorriam muitas e muitas alunas, a quem os pais pretendiam educar e instruir com cuidado.
O jornal A Independência, de 15/5/1892, referiu-se nestes termos à nova escola:
Colégio do Sagrado Coração de Jesus
"Vai instalar-se, com aquele título, na
Rua da Bandeira desta vila, um colégio para meninas.
A casa destinada para esse estabelecimento
é ampla, confortável e encontra-se em óptimas condições higiénicas.
A directora é uma senhora muito
tratável, muito instruída e de muitas virtudes – a Exma. D. Ana do Rosário Prudência
dos Santos Sá. Professoras as Exmas. Sras. D. Júlia Prudência Ferreira de Sá e
D. Olinda Prudência Ferreira de Sá, senhoras muito prendadas e muito distintas.
Do programa, que temas à vista,
extractamos o seguinte:
A par de sólida educação moral,
ensinar-se-á: leitura, escrita, contabilidade, sistema métrico, português,
francês, geografia e história sagrada e profana; meia, crochet, bordados a
branco, matiz, ouro, escumilha, lãs e escama, em vidro, etc.; flores de pano,
de cera e de papel de arroz; etc.; desenho e piano.
São admitidas alunas de cinco a doze
anos, devendo apresentar certidão de baptismo e de facultativo, esta para ver
que não padece de moléstia contagiosa. (…)
Exige-se que cada menina tenha na aula
uma cadeira, um bastidor, uma caixa de costura e utensílios necessários para o
trabalho e estudo. Os livros serão os adoptados no colégio.
Serão feriados – todo o mês de Setembro,
todas as quintas-feiras, nove dias no Natal e seis na Páscoa.
Desejamos muita prosperidade ao novo
colégio".
Começou de tal modo a aumentar, dentro em pouco, a frequência do colégio que D. Ana de Sá se viu na necessidade de conseguir nova casa, mais ampla, na qual instalasse, além do externato, um internato também.
Foi nessa altura, então, que suas filhas Olindina, Aurora e Júlia resolveram em definitivo professar, e entregar a direcção do colégio, instalado já num edifício da Rua hoje Almirante Reis (agora ocupada pela “Poveirinha”) às freiras do "Instituto de Santa Doroteia".
D. Ana de Sá retirou-se, acompanhada duma criada, para uma pequena casa da Rua da Igreja, onde veio a falecer. Das suas três filhas, apenas D. Júlia, já então freira, lhe assistiu aos últimos momentos, pois as outras duas, por se encontrarem longe, não puderam comparecer".
Continuemos a ouvir A. Silva Pereira que nos vai contar como nasceu e foi confiscado pela República o primeiro Colégio instalado em edifício próprio:
"Nas suas últimas disposições de ordem material e espiritual, recomendou insistentemente D. Ana de Sá a sua filha que adquirisse, com os meios de fortuna que lhe deixava, um edifício condigno para que nele se instalasse o “Colégio do Sagrado Coração de Jesus” que fundara e já então com grande frequência de alunas internas e externas.
Cumprindo à risca os desejos da sua mãe, comprou D. Júlia Sá um grupo de oito casas situadas na Rua de Rocha Peixoto, que depois de grandes e dispendiosas obras vieram a constituir o primeiro edifício próprio do “Colégio do Sagrado Coração de Jesus” na Póvoa.
Decorreram os anos e D. Júlia Sá, já madre em religião, estagiou por várias casas do seu Instituto, espalhadas pelo país, regressando à sua terra a partir de Outubro de 1910, para, como simples cidadã portuguesa, reclamar junto dos tribunais a arbitrária confiscação, feita pelo governo, da sua casa da Rua de Rocha Peixoto onde estivera instalado o “Colégio do Sagrado Coração de Jesus” e que fora destinada a quartel".
O exílio e o regresso
Voltemos ao P.e António Freire:
"A Madre Sá, como as demais Irmãs, acabaria por ir para o estrangeiro: primeiro para a Bélgica; depois, com o rebentar da primeira guerra mundial, foi para a Inglaterra com as outras Irmãs e com o Noviciado; dali, logo que puderam, trasladaram-se para a Suíça, onde fundaram um colégio frequentado por alunas portuguesas. Era Superiora a Rev. Madre Monfalim e Mestra-Geral a Madre Sá. Ali ficou até 1921.
Nesse ano, como algumas Irmãs precisassem de banhos de mar, resolveu a Rev. Madre Provincial que fossem para a Póvoa de Varzim e lá alugassem uma casa e dessem lições, para se poderem sustentar.
A Madre Sá esteve pouco mais ou menos oito anos na Suíça. Lá aprendeu os métodos de educação moderna e começou a pô-los em prática. Afável, mas intransigente, ensinava as alunas a assumir o sentido da responsabilidade de si mesmas. Procurava, sobretudo, moldar-lhes o carácter e formar-lhes a personalidade. Quando as levava a passeio, não as punha em forma, como antes se costumava. Deixava-as ir à vontade, mas sempre com a necessária vigilância. Isto fazia nos passeios, nos recreios, no refeitório, etc. As alunas respeitavam-na, obedeciam-lhe com gosto, porque a amavam e reconheciam o bem que lhes queria.
O método da Madre Sá não era conhecido em Portugal. Não admira que, ao princípio, tenha causado estranheza e desagrado a alguns membros do corpo docente. Os pioneiros nem sempre são compreendidos e, por vezes, têm de sacrificar-se para que surja, mais tarde, o fruto da sua iniciativa.»
Sobre a pedagogia da Madre Sá, paga a pena ouvir algumas palavras de Agustina Bessa-Luís, que transcrevo do Dicionário de Educadores Portugueses:
"Ela foi para mim o espírito colegial aberto que estendi ao meu trabalho e ao mundo em geral. Economia, persistência, generosidade e respeito pela ordem das coisas, foi o que aprendi; assim como um certo orgulho sem pretensões pela dignidade de ser mulher de todos os tempos. A mulher feminina e prudente que a Bíblia contém em numerosos exemplos. A Madre Sá era uma pessoa corajosa no conceito moderno da adaptação a padrões de vida sem preconceitos. Instaurou o lema da mulher independente pela instrução, útil para a cultura. Contrariava o estudo decorativo e as prendas de salão, sabia quanto a sociedade se transformava e, sem quebra das altas e eternas condições do espírito, ia pedir à vontade humana novas obrigações".
Na imagem, edifício onde funcionou originalmente o Colégio, após o regresso da Madre Sá do exílio. Foi ali que Agustina Bessa-Luís o frequentou, como relata nos Dentes de Rato.
Caro amigo
ResponderEliminarDei com o seu blog por mero acaso ao fazer uma pesquisa no google sobre o colégio, que a minha avó teria frequentado nos primeiros anos da década de 20. Era um colégio de Doroteias e ficaria em Vila do Conde. Será que esse colégio era aquele dirigido pela Madre Sá, que o meu amigo descreve no seu blog?
Publiquei no meu blog uma fotografia de conjunto das alunas do colégio. http://velhariasdoluis.blogspot.com/2011/07/fotografia-do-colegio-maria-do-espirito.html
Seria pedir-lhe um favor muito grande se espreitasse o post e me indicasse se a imagem lhe diz alguma coisa? Talvez consiga me dizer se este grupo é o do Colégio da Madre Sá.
Um abraço e obrigado